Amazônia

TEDxAmazônia antecipa demandas para COP30 e critica visão distorcida sobre região

Com indígenas, ambientalistas, artistas e pecuarista, evento em Belém debate soluções baseadas na natureza e estreia tecnobrega no Theatro da Paz

Enquanto a cantora Joelma, de óculos escuros e cabelos presos, tentava passar despercebida na fila de embarque no aeroporto de Belém (PA), painéis por todo o saguão em obras destacavam Gaby Amarantos, Zaynara e Viviane Batidão em paisagens exuberantes com o slogan “Pará no caminho para o futuro”, campanha estadual para a COP30 em novembro.

A 8 km dali, o TEDxAmazônia levou ao Theatro da Paz neste final de semana a própria Amarantos (e, pela primeira vez naquele palco, o tecnobrega), entre outros ícones da cultura regional —dona Onete, Zé Miguel, Djuena Tikuna, Eliakin Rufino e Amazônia Jazz Band.

Mas esse não é um festival de cultura. A conferência debateu caminhos de regeneração da Amazônia por meio de apresentações curtas de lideranças indígenas, gestores ambientais, ex-integrantes de governo, acadêmicos e empreendedores socioambientais de países cortados pela floresta tropical.

Com discursos de 15 minutos —pouco dissonantes, não fosse pelo pecuarista Mauro Lúcio, único a ficar sem aplausos de pé da plateia— ao longo de três dias, os palestrantes deixaram algumas mensagens para as 700 pessoas que lotaram o teatro.

Uma delas é a relação dos brasileiros com a região Norte, marcada por desconhecimento e preconceito. “Vocês conseguem imaginar uma instituição paraense para acelerar o desenvolvimento do sudeste, como se São Paulo e Rio de Janeiro fossem uma coisa só?”, questionou Mayra Casttro, fundadora da InvestAmazônia.

“A Amazônia é marca cobiçada e internacionalmente reconhecida. É epicentro global de questões climáticas, com nuances geopolíticas e econômicas. Precisamos desenvolver rotas para mostrar quem somos.”

Por vídeo, Ana Toni, CEO da COP30, disse que há muita crítica sobre Belém, “cidade acolhedora”, mas que a conferência pode dar salto importante para a Amazônia.

“[Precisamos] aprofundar o debate sobre financiamento para a natureza e questões urbanas, como proteger pessoas em vulnerabilidade. E o Brasil é parte da solução”, afirmou.

Essa visão distorcida sobre a região foi levada ao público pelo poeta roraimense Eliakin Rufino, que entoou: “Não há Brasil profundo. Isso foi inventado por intelectuais do asfalto, de pensamento raso. Somos nortistas, indígenas, quilombolas, caboclos, ribeirinhos, povos da floresta.”

Diversas palestras condicionaram a mitigação dos efeitos do clima a soluções baseadas na natureza e saberes ancestrais de conservação do bioma.

O engenheiro Devindranauth Bissoon, especialista em Infraestrutura no Fundo Verde para o Clima, contou à plateia como construiu um muro para conter a maré que afetava 90% da população da Guiana ao mesmo tempo em que restaurou manguezais para protegê-lo.

“Soluções baseadas na natureza têm que ser componentes centrais da infraestrutura, não acessórios. Usamos bioengenharia, agroflorestas e engajamos comunidades locais com conhecimento do clima e da terra”, afirmou ele.

Em sua apresentação, a ecóloga Joice Ferreira afirmou que florestas que se regeneram após serem desmatadas são fundamentais para conter a mudança do clima.

“Tal qual crianças em pleno crescimento, elas absorvem cinco vezes mais carbono da atmosfera do que uma floresta primária”, afirmou a cofundadora da Rede Amazônia Sustentável. “É melhor conservar 6 milhões de hectares de florestas secundárias do que plantar 1 bilhão de árvores, que não sabemos se vão sobreviver.”

Para além da cultura e do meio ambiente, uma das convidadas lembrou do papel do estado na proteção da floresta e na garantia de direitos a seus 28 milhões de habitantes.

“A devastação da Amazônia anda de mãos dadas com a criminalidade. Crimes que não geram nenhuma riqueza, não trazem desenvolvimento nem geram emprego”, disse Mariana Plum, diretora-executiva do Centro Soberania e Clima e ex-assessora do Ministro da Defesa.

Segundo ela, em uma região com baixos índices de infraestrutura, saneamento e educação, o ciclo vicioso de devastação, miséria e violência corrói o Estado e afeta profundamente quem lá vive.

“Soberania não é só proteger fronteiras. É presença, direitos, dignidade, é fazer o Estado chegar aonde a ausência abre espaço para o crime e a destruição. E a COP30 será vitrine global para mostrar que somos capazes de proteger a Amazônia.”

A vulnerabilidade no chão da floresta esteve na fala de diversas lideranças indígenas. Caso de Adriano Karipuna, estudante de direito de Porto Velho (RO), que lembrou que seu povo quase foi dizimado por falta de imunidade ao ter contato com brancos na década de 1970. Hoje, eles enfrentam ataques de madeireiros e grileiros.

“Vivemos uma economia sangrenta. Choro ao ver corpos dos meus parentes sendo derrubados por defender a floresta. E só fica nas estatísticas”, disse Karipuna.

Sob olhares desconfiados, Mauro Lúcio, dono da Fazenda Marupiara, em Paragominas (PA), relacionou a pecuária à regeneração ambiental. “Nós não podemos derrubar floresta para fazer pecuária, foi este tempo”, disse ele.

Para o presidente da Acripará (Associação de Criadores do Pará), áreas desmatadas valem mais do que a floresta em pé por causa da especulação imobiliária. Ele defendeu mais fiscalização para que terras degradadas não possam ser comercializadas sem vistoria.

“No dia que em que a terra desmatada ilegalmente não tiver mercado, o desmatamento acaba. É simples assim”, afirmou Lúcio, que trocou a pecuária extensiva por um manejo mais produtivo com uso de tecnologia, destinando apenas 20% da propriedade ao rebanho.

Em novembro, durante a conferência, a organização americana TED instalará a TED Countdown House em Belém, em parceria com TEDxAmazônia, Instituto Igarapé e agência Profile. É a primeira vez que o país recebe a iniciativa que já esteve em Edimburgo, Londres, Detroit, Bruxelas e Nairóbi.

“A ideia é criar espaços para conversas desconfortáveis e produtivas entre setor energético, ativistas, cientistas, governos e investidores em busca de soluções concretas para o clima”, afirmou Robert Muggah, cofundador do Instituto Igarapé, no lançamento da iniciativa no último sábado (7).

O TED Countdown House, instalado na Casa Mia, terá palestras, oficinas, jantares temáticos, grupos de discussão, gravações audiovisuais, instalações artísticas e experiências sensoriais —repertório de ações que deve alcançar 100 milhões de pessoas nas plataformas do TED Countdown com a missão de “colocar o mundo na Amazônia e a Amazônia no mundo.”

“Precisamos falar quem somos, onde estamos, falar que tem inovação e empreendedorismo na Amazônia”, diz Mariana Camardelli, co-organizadora do TEDxAmazônia. “É o nosso momento.”

A repórter viajou a Belém a convite do TEDxAmazônia.

A matéria original é da Folha e pode ser acessada pelo link a seguir:

https://www1.folha.uol.com.br/folha-social-mais/2025/06/tedxamazonia-antecipa-demandas-para-cop30-e-critica-visao-distorcida-sobre-regiao.shtml
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