Brasil é ‘país crítico’ na transição energética, diz ex-ministro britânico Tony Blair
Palestrando na Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, que se realiza, em Belém, do Pará, político inglês cita potencial de biomassa e hidrogênio verde do Brasil
Por já ter a floresta amazônica e abundância em energias renováveis, o Brasil pode assumir um papel relevante na transição global dos combustíveis fósseis para as energias renováveis, tanto no aspecto político quanto econômico, afirma Tony Blair, ex-primeiro-ministro do Reino Unido. Ele ocupou o cargo de 1997 a 2007 e foi líder do Partido Trabalhista inglês de 1994 a 2007.
Blair é um dos palestrantes da Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, que está sendo promovida em Belém, capital do Pará, pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração).
Por iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Belém concorre a sede da COP30, conferência climática das Nações Unidas agendada para 2025. A cidade já atrai atenção internacional, e as ONGs e os governos fazem campanha em favor do país.
Em sua fala, Blair afirmou que o Brasil é um “país crítico” na discussão ambiental em escala global.
“Vocês têm energias renováveis abundantes. Podem investir mais em biomassa. Têm muitas hidrelétricas”, afirmou Blair. “O Brasil tem espaço para assumir a liderança no hidrogênio verde.”
Ele destacou que, em relação à floresta, o país precisa deter o desmatamento e também investir em inovação para aproveitar o potencial da bioeconomia da região. Inúmeros medicamentos podem ser desenvolvidos a partir desses estudos da flora e da fauna, afirmou o ex-primeiro ministro.
O Brasil também tem inúmeros recursos minerais na região amazônica, o que vai exigir um tratamento diferenciado da questão.
“Por tudo isso, o Brasil tem capacidade de dialogar com gigantes globais de igual para igual e, por isso, terá capacidade de aglutinar a união de forças no debate climático em nível mundial”, afirmou Blair.
Mas, para garantir essa posição, ele recomenda que o governo tenha um grande plano, que possa ser implementado. Sem isso, o discurso político pode ser drenado pelo dia a dia, e nada acontecer na prática.
“Se esse Estado conseguir efetuar a transição econômica, vai virar referência. E isso só vai acontecer se a estratégia incluir todos, inclusive os povos da região amazônica. As pessoas precisam ter uma vida aqui.”
O que acontecer no Pará, em particular, na próxima década será muito importante e realizar a conferência da ONU nessa parte do mundo teria um peso simbólico, defendeu Blair.
Ele destacou ainda que, apesar do avanço das energias renováveis, a indústria de petróleo e a mineração precisam fazer parte do debate no Brasil e no mundo.
“Vamos precisar de aço, por exemplo. Não faremos os parques de renováveis sem isso. Depois de uma ampla descarbonização, pesquisas indicam que ainda teremos ao menos 20% de fontes fósseis, então seríamos hipócritas de excluir esses setores. Não adiantar ficar apenas apontando o dedo para eles”, afirmou.
“Existe formas de deixar a produção mais limpa, e é isso que precisamos discutir com as empresas. A indústria não vai parar. A mineração é parte da solução, não apenas do problema —e o Ibram [aqui no Brasil] tem um papel importante nisso.”
Blair fez um alerta em particular sobre a necessidade de os países buscarem alternativas para garantir o financiamento do novo ciclo de crescimento baseado em princípios ambientalmente justos e sustentáveis. Ele reforçou que a demanda pela redução de emissões agora está crescendo justamente nos países mais pobres, onde os recursos são escassos.
“Os países desenvolvidos criaram o problema das mudanças climáticas, estamos falando dos países ricos do norte global. Nesses países, as emissões estão de fato caindo. Estados Unidos e países europeus agora representam 20% das emissões”, diz ele.
“Os países em desenvolvimento não criaram o problema e querem tirar suas populações da pobreza. Então eles precisam manter o crescimento e, em muitos casos, ainda precisam de fontes fósseis. Em 2030, Índia, China, e países asiáticos vão responder por 70% das emissões.”
Blair lembrou, por exemplo, que a China fez investimentos pesados em energia renovais, criando grandes parques, mas, ao mesmo tempo, inaugurou novas usinas a carvão para dar conta uma taxa de crescimento maior.
A questão do financiamento é especialmente crítica para emergentes, na África e na América Latina. “Se não conseguirmos identificar uma forma de financiar a transição nessa parte do mundo, ela vai utilizar a energia mais barata de fontes fósseis para garantir seu crescimento.”
As condições financeiras no curto prazo pioram essa questão. Neste momento, recordou ele, há um aumento do custo de vida e no preço da energia por causa do conflito na Ucrânia. “Os políticos vão priorizar a questão do custo de vida, e tendem a recorrer a fontes tradicionais, as fósseis.”
Blair se tornou referência no debate climático há mais de 20 anos. Quando era primeiro-ministro, atuou para incorporar na agenda pública a discussão do aquecimento global, que, naquele momento, muita gente ainda duvidava realmente existir.
Foi o primeiro chefe de governo britânico a designar um vice-primeiro-ministro como responsável pela política ambiental e liberou bilhões de libras em recursos para investimentos para viabilizar energias renováveis.
O Reino Unido era um dos poucos países que tinham conseguido cumprir suas metas de redução de emissões de carbono estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto, de 1997. Esse acordo previa redução nas emissões dos países desenvolvidos em relação aos níveis de 1990, e depois foi substituído pelo atual Acordo de Paris.
Ambientalistas consideram, no entanto, a sua postura ambígua, pela falta de uma política mais clara de crescimento econômico sustentável. Muitos diziam que ainda havia uma grande distância entre discurso e prática de Blair no início do século 21.
Na época, citavam como exemplo que seu governo não levou adiante mecanismo para reduzir o consumo de combustíveis fósseis nos carros, o que poderia desagradar a classe média. Em 2000, um protesto de caminhoneiros e agricultores levou o Partido Trabalhista a engavetar uma taxa verde para o diesel.
Alguns até atribuíam a queda das emissões muito mais a iniciativas do Partido Conservador.
Nos anos de 1980, a então primeira-ministra Margaret Thatcher enfrentou os mineiros, deu início ao fechamento de minas de carvão e passou a adotar usinas a gás na geração de energia elétrica. Essa mudança foi decisiva para reduzir as emissões décadas depois.
A matéria é da Folha de São Paulo e a repórter Alexa Salomão viajou a convite do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração).