Amazônia

Arborização é desafio para cidades como Belém e Manaus

Em meio à maior floresta tropical do mundo, capitais da região representam 3 das 5 menos arborizadas do país

De todas as capitais do Brasil, apenas três possuem uma taxa de arborização de vias públicas abaixo de 30%: Rio Branco (Acre), Belém (PA) e Manaus (AM), de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010. Os dados revelam uma problemática frequente na Amazônia Urbana: são poucas árvores nas ruas, o que prejudica a qualidade do ar e o conforto térmico em uma região onde a temperatura costuma ser elevada durante todo o ano. Na lista das cinco capitais menos arborizadas, figuram ainda Florianópolis (SC), com 32%, e São Luis (MA), com 32,3%

A metodologia utilizada pelo IBGE considera a porcentagem de árvores plantadas no entorno dos domicílios, podendo ser ao longo da calçada e/ ou em canteiro, mesmo que apenas em parte. A segunda capital com piores indicadores de arborização de vias públicas é Belém do Pará, futura sede da maior conferência mundial do clima, a COP30. Segundo a secretária municipal de Meio Ambiente, Christiane Ferreira, o Plano Municipal de Arborização mais recente data de 2012.

“Belém não é uma cidade planejada e, por isso, foi construída com o planejamento desassistido em muitas áreas. Não temos esse histórico de plantio na cidade e nem dados detalhados sobre o estado atual da arborização. Por isso, na atual gestão municipal decidimos começar o trabalho fazendo um inventário, em paralelo ao plantio de mudas”, salienta.

“Estamos buscando Soluções Baseadas na Natureza [SBN] para transformar essa paisagem cinza em uma Belém verde. Para isso, precisamos que a população seja parceira. Todos querem uma cidade mais arborizada, mas poucos querem que esse plantio seja na frente da sua casa ou empresa. É necessário que a população entenda a importância dessa vegetação, não mova a muda do lugar e denuncie quem suprime, maltrata ou envenena árvores, o que infelizmente acaba sendo muito comum”, revela.

A Secretaria de Meio Ambiente (Semma) reativou em 2021 a Granja Modelo, espaço destinado a cultivar mudas para o município, mas que estava paralisado há anos. Desde então, a produção é de 400 mil mudas por ano. Além disso, a Semma tem apostado no conceito de florestas urbanas, que aproveita espaços “vazios”, como embaixo de elevados, para plantio de espécies diversas. “São áreas que também possuem um trânsito intenso e maior concentração de gases de efeito estufa”, acrescenta a secretária. Um exemplo é o elevado Daniel Berg, onde 2 mil mudas já foram plantadas desde junho de 2023 – e a previsão é de plantio de 4 mil mudas no total.

Prefeitura busca recursos para obras estruturantes

Segundo Christiane Ferreira, um desafio é que em boa parte da cidade o plantio de árvores demandaria obras estruturantes, envolvendo saneamento básico, fiação elétrica, pavimentação, dentre outras necessidades. “Tem muitos lugares onde não conseguimos plantar diretamente porque não tem um canteiro na calçada, as ruas são muito estreitas ou a tubulação de esgoto e água bloquea o crescimento de raízes. Por isso, temos o entendimento de que só conseguiremos reverter o cenário de forma mais drástica com obras mais robustas”, acredita.

Sendo assim, a Prefeitura de Belém está atualmente atualizando o Plano Diretor do Município e a Semma elabora um projeto de arborização para a próxima década, que deve ser finalizado até setembro deste ano. Ambos instrumentos têm o objetivo de fornecer diretrizes para a gestão municipal de como trabalhar com o tema e devem ser usados também para captar recursos a nível estadual, federal e internacional para obras estruturantes, como o projeto vigente (mas que ainda não iniciou a execução) do Canal São Joaquim, que prevê a construção de um parque linear ao mesmo tempo em que recupera um canal, que hoje é praticamente um esgoto a céu aberto.

Aliança com a Academia para encontrar soluções

Para melhorar a qualidade dos dados sobre o tema, a Secretaria formou uma parceria com a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), para a criação de um inventário completo de árvores de Belém. O projeto começou em 2021 e é liderado pelos professores Cândido Neto e Joze Melisa. A equipe começou com três estagiários e hoje está com cinco, dentre estudantes de Engenharia Florestal e Agronomia, cujas bolsas são financiadas pela Semma.

São os jovens que vão rua a rua pela cidade para observar e fotografar cada árvore que encontram. Eles observam a coordenada geográfica de onde a planta está e também qual sua espécie, medem a espessura, altura, diâmetro de copa, conferem se há injúrias (como pregos ou fios elétricos presos no tronco), dentre outros parâmetros. Em seguida, esses dados são analisados e atualizados no site da Secretaria.

Por conta da pandemia e de limitação de recursos humanos e financeiros, o trabalho só conseguiu ser realizado em três bairros até o momento (Nazaré, Fátima e Marco). Os pesquisadores preveem uma média de dois a três bairros por ano (de um total de 71 bairros na cidade), se continuar no ritmo atual, o que pode ser agilizado com mais investimento.

Nem todo plantio é benéfico para vias públicas

Quando se trata de vias públicas, no entanto, a secretária de Belém e o professores da UFRA fazem a ressalva de que não é indicado o plantio desassistido. Ou seja, se um morador plantar árvores por conta própria, sem orientação técnica e diálogo com a gestão municipal, o que começa com uma boa intenção pode se tornar um problema. “É muito importante fazer um levantamento prévio do local, para saber qual a largura da via, se tem instalação elétrica ou rede de esgoto que possa interferir e entender as características das espécies de árvores, o quanto ela cresce, que espaço precisa para sua raiz, dentre outros aspectos”, destaca o professor Cândido Neto.

Há, inclusive, uma espécie que é proibida por lei municipal desde 2008: a ficus, por ter raízes extremamente agressivas, capazes de destruir tubulações e paredes. Ainda assim, continua popular entre os moradores. Na Semma, as espécies prioritárias para o plantio são nativas e de alta capacidade de sequestro de carbono, como o Pau Preto e Andirá Uxi. Em florestas urbanas, também são usadas Andiroba, Mogno e Ingá.

“Junto do levantamento das árvores, também fazemos recomendações de intervenções em cada rua. Seja a necessidade de poda ou, em alguns casos, de derrubada, como quando encontramos ficus, ou sugerindo o plantio de uma nova espécie. Já indicamos no relatório qual a melhor opção para cada local”, explica Neto.

Bairro em área central de Belém tem vegetação quase inexistente

Apesar de ser conhecida como “Cidade das mangueiras”, as árvores em Belém se concentram em poucos bairros e há lugares que possui a vegetação muito abaixo do recomendado. O caso mais crítico é o do Reduto, bairro no centro da cidade, próximo a muitos pontos turísticos e com forte presença de prédios comerciais e residenciais. Ali, apenas 2% é de área verde, de acordo com um levantamento feito pela Semma/Belém em 2022. A análise foi baseada em imagens aéreas, que inclui não somente árvores, mas também arbustos e até mesmo grama, tanto em áreas públicas quanto privadas.

O balconista Armando Santos trabalha há 30 anos em uma das padarias mais tradicionais, no coração do Reduto, e conta que sempre foi assim. “Com certeza, se tivesse árvore seria mais agradável. Eu moro longe, em Ananindeua [município vizinho] e no trecho em que vivo tem muito mais árvores, então quando venho para cá sinto a diferença no conforto térmico, sem dúvidas”, declara. Bairros vizinhos, como Campina, Batista Campos e Nazaré, apesar de trazerem uma primeira impressão de serem bem arborizados, pelos corredores de mangueiras em várias vias, não apresentam dados mais animadores: apenas 11%, 12% e 14% de áreas verdes, respectivamente.

Árvores poderiam ter minimizado danos de uma das piores enchentes da história do Acre

Ainda pior que Belém, o município com as taxas mais baixas no Censo de 2010 foi Rio Branco (Acre), onde apenas 13,8 % das vias foram consideradas arborizadas. Se fosse mais protegida com vegetação, os impactos de uma das piores enchentes da história do estado poderiam ser minimizados na capital, acredita a pesquisadora Sonaira Silva, da Universidade Federal do Acre (UFAC).

Pelo menos duas dezenas de municípios do estado se encontraram em estado de emergência, afetados pelas inundações de rios e igarapés em março de 2024, quando o nível do Rio Acre passou dos 17,5 metros naquele período. Em todo o Acre, a enchente atingiu mais de 120 mil pessoas e foi considerada, proporcionalmente, o maior desastre ambiental do estado.

“Nós, amazonidas, por mais que vivamos na maior floresta do mundo tropical do mundo, não nos relacionamos com ela. Precisamos ver a natureza não só como uma prestadora de serviço para humanos, mas entender que dependemos dela e ela da gente, em um ciclo”, avalia a professora. Em um artigo divulgado no final do ano passado, a pesquisadora mostra como os eventos extremos climáticos vêm se tornando mais frequentes desde 2010 e chama a atenção para a necessidade de preparar as cidades para essa realidade, recompondo a vegetação nativa, por exemplo. “Faltam os ambientes naturais para conseguir absorver toda essa água das chuvas intensas”, analisa Silva.

Ademais, a pesquisadora se preocupa com as ondas de calor em cidades pouco arborizadas como Rio Branco. “Quando temos temperaturas como as que vivenciamos no ano passado, acima dos 40ºC, a falta de árvores e o próprio material construtivo usado nas casas, como o concreto, fazem com que esses efeitos sejam mais potencializados”, adverte.

Município elabora diretrizes para melhorar a arborização

“O cenário apontado no Censo do IBGE é o que estamos tentando reverter, especialmente nos últimos anos, com o plantio de mudas e a definição do Plano Municipal de Arborização como prioridade de elaboração”, informa Aline Paiva, Chefe do Departamento de Gestão Ambiental e Mudanças Climáticas, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Rio Branco (Semeia).

De acordo com ela, o órgão público investe mensalmente mais de 1 milhão de reais em arborização e paisagismo, incluindo os serviços de podas, manutenção preventiva e plantios em área verdes, vias públicas, parques, praças e prioritariamente em Áreas de Preservação Permanente (APP), nas quais foram plantados 23 hectares nos últimos 18 meses.

“Nossa maior dificuldade é o conflito com a infraestrutura urbana disponível, principalmente a instalação elétrica da cidade. Por isso, as áreas para novos plantios são definidas a partir de critérios técnicos”, complementa. Outro programa em elaboração é o “Pomares Urbanos”, para o plantio de espécies frutíferas em parques lineares, área verdes e vazios urbanos, além da criação de incentivo fiscal para proprietários de imóveis arborizados e compensação para proprietários de imóveis que arborizam calçadas.

Paiva destaca a reserva do recurso de R$ 400 mil, através do Fundo Municipal de Meio Ambiente, para a elaboração do Plano Municipal de Arborização, a partir de consultoria técnica para fazer um diagnóstico da situação da arborização da cidade, conforme ação prevista no Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima de Rio Branco, publicado em 2020.

Quintais surgem como alternativas

Cansado de ver uma cidade sem plantas, o juiz aposentado Heitor Macedo, 84 anos, decidiu investir seu próprio dinheiro para incentivar o plantio de árvores frutíferas nos quintais de Rio Branco (AC). “Todos os sábados, nós saímos pelos bairros oferecendo as mudas. Quando aceitam, plantamos ali mesmo, na hora”, conta o idealizador.

A iniciativa envolveu outros membros da família, em junho de 2022, e agora está estruturada como a organização não governamental (ONG) “Árvores frutíferas”, cuja vice-presidente é a filha do juiz, a professora da UFAC, Márcia Macêdo. De acordo com ela, foram plantadas uma média de 7 mil mudas desde o início do projeto e há uma estimativa de mais de R$ 5 mil de investimento mensal, incluindo contratação de prestadores de serviço. A maioria desse recurso é próprio do aposentado, que conta também com doações de mudas da UFAC e da Prefeitura de Rio Branco.

A matéria original é de Alice Martins Morais publicada no site Um Só Planeta e pode ser acessada pelo link a seguir:

https://umsoplaneta.globo.com/biodiversidade/noticia/2024/06/24/em-meio-a-maior-floresta-tropical-do-mundo-arborizacao-e-desafio-para-cidades-amazonicas.ghtml

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