Amazônia

Reflorestamento ganha força no combate ao CO2

Ameaças de não cumprimento das metas do clima ampliam espaço das iniciativas de replantio de árvores em grande escala

Floresta tropical dentro do território Piripkura, em Mato Grosso, Brasil — Foto: Victor Moriyama/The New York Times

Projetos de reflorestamento têm ganhado espaço nas promessas de combate ao efeito estufa por uma boa razão: o mundo provavelmente vai atrasar sua meta de corte de CO₂, e uma árvore crescendo é a única maneira viável conhecida de remover carbono da atmosfera. O potencial da recomposição florestal para ajudar a deter a crise do clima, porém, ainda não está claro, apesar de governos já estarem dando as cartas.

Na última quarta-feira, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) revelou que está buscando captar recursos para uma iniciativa de reflorestamento de 50 milhões de hectares na Amazônia: o equivalente a 6% do território do Brasil.

Apesar de ainda não ter assinatura, prazo nem financiamento garantido, a proposta não está fora de linha com o que cientistas dizem sobre o potencial do país. O presidente do banco, Aloizio Mercadante, disse em discurso que essa medida retiraria 600 milhões de toneladas de CO₂ da atmosfera.

O último relatório do IPCC, painel de cientistas do clima da ONU, estima que em toda a América Latina e Caribe o reflorestamento teria potencial de sugar de 345 milhões a 898 milhões de toneladas desse gás estufa por ano, a um custo de US$ 100 por tonelada.

A estimativa mais atual validada pelo IPCC é que o planeta todo pode sequestrar 1,6 bilhão de toneladas de CO₂ por ano a um custo anual de US$ 130 bilhões para erguer ou reerguer florestas. Como comparação, hoje o planeta vem emitindo cerca de 60 bilhões de toneladas por ano, sobretudo pela emissão de combustíveis fósseis.

Se, por um lado, não dá para salvar o clima sem parar de queimar petróleo e carvão, por outro lado, é inegável que iniciativas de sequestro de carbono são uma contribuição valiosa no caminho da transição econômica para energias limpas.

No Brasil, dos 50 milhões de hectares mencionados por Mercadante a serem alocados para reflorestamento, já há uma parcela que, em princípio, é promessa oficial do país. O compromisso do Brasil no âmbito do Acordo de Paris para o clima inclui reservar 12 milhões de hectares de floresta para regeneração natural até 2030.

Fora do Brasil, o principal potencial está em países na Ásia/Pacífico e na África. As estimativas variam muito em escala, de 310 milhões a 666 milhões de toneladas de CO₂ por US$ 100/tonelada.

Se hoje a aposta no reflorestamento como medida de mitigação é ainda tímida, o cientista que liderou no IPCC a avaliação do setor diz não ter dúvidas de que ela vai ganhar espaço com o tempo. O holandês Gert-Jan Nabuurs, professor da Universidade de Wageningen, diz não ter esperança de que o mundo evite um aquecimento de 1,5°C, meta no Acordo de Paris. E, quando o planeta passar desse limiar, será necessário investir em medidas de remoção de carbono.

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— Temos emissões de 60 gigatoneladas e podemos começar a reduzi-las, mas ainda assim estaremos adicionando CO₂, ainda que sejam 30 ou 40 toneladas por ano durante os próximos anos — disse o cientista ao GLOBO. — A vantagem de árvores, da vegetação e do solo é que eles são capazes de remover CO₂ da atmosfera, isso será cada vez mais importante, se quisermos ficar perto da meta de aquecimento de 1,5°C.

No capítulo do relatório do IPCC que o cientista coordenou, foi computado não apenas o potencial do reflorestamento, mas também de medidas para agropecuária de baixo carbono e de uma medida essencial: a redução dos desmatamentos. O potencial de todas essas áreas juntas somadas, se aproveitado ao máximo, é de uma redução de 8 bilhões a 10 bilhões de toneladas de CO₂ por ano, somados as remoções e os cortes de emissões. Para isso, no entanto, países mais pobres precisam de recursos dos ricos para fazer a agenda andar.

Um receio que alguns cientistas da área têm, porém, é que os esforços de mitigação climática no setor de uso da terra acabem se “canibalizando”. O reflorestamento, por exemplo, pode disputar recursos financeiros com projetos de proteção contra o desmatamento.

Segundo a brasileira Erika Berenguer, pesquisadora da Universidade de Oxford, tal troca seria ruim. A quantidade de carbono armazenado num hectare de floresta em regeneração pode levar muitas décadas até se igualar ao carbono lançado à atmosfera quando um hectare de Floresta Amazônica madura é desmatado de um dia para outro.

Com os projetos do país custando a sair da escala de 100 hectares de floresta recompostos por ano, o setor se apequena diante da ameaça do desmate, ainda que o governo tenha se comprometido a zerar o corte raso de floresta até 2030.

— Reflorestar de 100 em 100 hectares equivale a enxugar gelo se a gente considera que nos últimos quatro anos nós ainda perdemos 1 milhão de hectares por ano para o desmatamento — diz a pesquisadora.

A abordagem adotada para restauração também tem de ser ponderada, ela diz. Em muitas áreas de floresta desmatada, se houver árvores com sementes e animais por perto, a mata não precisa ser plantada por humanos para rebrotar.

— A restauração é importante em algumas áreas que estão muito devastadas, como em Bragança, no noroeste do Pará. Ali tem tão pouca floresta que para se regenerar, ela vai precisar de ajuda — diz.

Na Mata Atlântica, bioma que perdeu 88% da cobertura original, muitas áreas de restauração também precisam de produção de sementes e plantio de mudas. Na Amazônia, áreas imensas podem se regenerar sozinhas, mas para tanto precisam de proteção contra novos desmates.

Ima Vieira, cientista do Museu Paraense Emilio Goeldi, tem trabalhado nas estimativas de quanto da Floresta Amazônica pode regenerar-se por conta própria.

— Cerca de 20% da área da Amazônia já foi desmatada e, dessa área que sofreu corte raso, cerca de 34% existem já como vegetação secundária e áreas degradadas — diz a cientista, que hoje atua também na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), ligada ao BNDES.

Vieira aponta que muitas das áreas degradadas estão em propriedades privadas que desmataram parte de sua reserva legal, o quinhão de 80% que precisam manter preservadas no bioma amazônico.

— De fato, precisa haver uma ação de proteção e de restauração, mas o método e a forma com que isso deve ser feito devem em primeiro lugar pensar no passivo de recuperação da vegetação nativa que está nas propriedades rurais que não respeitaram o Código Florestal — diz a pesquisadora. — Existem cerca de 18 milhões de hectares de déficit de reserva legal que precisam ser recuperados, e há vários estudos mostrando que as propriedades extensas têm os maiores débitos.

A situação, diz a cientista, deve animar o debate sobre quem deve dar e quem deve receber recursos para reflorestamento caso essa pauta ganhe mesmo peso na agenda do clima.

Matéria original por Rafael Garcia e pode ser acessada pelolink abaixo

https://oglobo.globo.com/mundo/clima-e-ciencia/noticia/2023/09/04/reflorestamento-ganha-forca-no-combate-ao-co2.ghtml

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