Crise de hospedagem: ‘COP30 vai ser em Belém, e não existe plano B’, diz presidente da conferência
Participantes reclamam do preço alto de diárias de hotéis; embaixador diz que governo atua por acomodações mais baratas

O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, afirmou nesta sexta-feira que não considera tirar a COP30 de Belém, após alguns países terem solicitado que a conferência do clima da ONU mude de lugar. A cem dias do início do evento, delegações de nações em desenvolvimento afirmam que não têm como bancar os preços inflacionados das diárias de hotel.
— Quero deixar bem claro que a COP vai ser em Belém, o encontro de chefes de estado vai ser em Belém, e nao há nenhum plano B — disse o diplomata hoje em entrevista coletiva. — O que aconteceu é que ocorreu uma reunião de emergência em que se manifestaram representantes de países. Isso foi atribuído a mim, mas eu estava relatando, apenas. O que os representantes disseram é que há uma preocupação muito grande por causa dos preços para hospedagem em Belém e que esses preços estão muito acima de qualquer aumento que se tenha conhecimento em qualquer outra COP.
Segundo Corrêa do Lago, o que está ocorrendo é que representantes de três grupos de nações em desenvolvimento e países pequenos estão demandando preços menores de hotel, e estão se recusando a pagar os valores disponibilizados na plataforma de agendamento de hospedagem.
— A demanda é que os quartos tem que estar entre US$ 50 e US$ 70 para eles irem à COP. Há centenas de quartos de hotel nessa faixa de preço, mas para os dias da COP os números estão muito mais altos — afirmou o presidente da COP30, reconhecendo o problema.
Segundo Corrêa do Lago, um grupo de trabalho criado na Casa Civil da Presidência da República está cuidando do problema e buscando soluções para garantir que todos os países integrantes da ONU participem da COP30.
— Estamos tentando oferecer quartos que entrem dentro do valor que eles podem pagar — afirmou. — O presidente Lula quer que esta seja uma COP muito inclusiva, que é o perfil do Brasil.
A crise diplomática sobre a logística na COP30 começou ontem, após um grupo de países africanos revelar para a imprensa internacional que estava pedindo a transferência da sede da conferência.
Ao reagir à declaração, o presidente da conferência sugeriu que a culpa do problema seria do setor de hotelaria.
— Talvez os hotéis não estejam se dando conta da crise que estão provocando — afirmou Corrêa do Lago Ontem, em um evento com o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), promovido pela Associação de Correspondentes Estrangeiros (AIE).
O assunto está sendo debatido também no âmbito da convenção do clima da ONU (UNFCCC), que está sendo pressionada por alguns países-membro a arranjar uma solução para o problema.
Reação do setor hoteleiro
O setor hoteleiro de Belém reagiu às críticas relativas aos preços das hospedagens no período da COP30. Eduardo Boullosa, presidente do sindicato que representa a categoria na capital paraense e em Ananindeua, classificou a situação como “sacanagem” e afirmou ter firmado compromisso por tarifas mais baratas para as delegações de países em desenvolvimento.
— Estão querendo tirar a todo custo a COP de Belém, o que não é a primeira vez — disse Boullosa, ao GLOBO. — Pegaram a COP30 como boi de piranha. Isso é uma sacanagem que estão fazendo com o Brasil e com o estado do Pará. Estamos todos (governo do Estado e setor hoteleiro) de mãos dadas com o mesmo objetivo. A presidência da COP quer acabar com o Brasil, puxando a toalha da mesa — acrescentou.
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Tony Santiago, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Pará (ABIH-PA), disse ao GLOBO que “o embaixador em questão está mal informado”. De acordo com o empresário, a entidade foi demandada no início de junho para que providenciasse 500 apartamentos com tarifas entre 100 e 300 dólares. Essas unidades seriam destinadas ao países “menos favorecidos economicamente”.
— Acho que muita gente não sabe que fizemos o que nos foi solicitado — afirmou Santiago. — Há uma inversão de fatos. Quem deve ser cobrada por hospedagem é a Secretaria da COP30, que até hoje não conseguiu botar no ar a plataforma de hospedagem que prometeu no início do ano. É isso que está tumultuando todo o processo — finalizou.
Desvio de foco
Na entrevista coletiva de hoje, Corrêa do Lago e a CEO da COP30, Ana Toni, manifestaram preocupação de que controvérsia diplomática sobre questões de logística roube tempo precioso para discutir o tema principal da COP, que é o combate à crise global do clima.
As conferências do clima da ONU se veem hoje numa situação difícil, porque a queda nas emissões de CO2 e gases do efeito estufa não está ocorrendo de maneira rápida o suficiente para conter o aumento de temperatura média do globo a 1,5°C, o objetivo do Acordo de Paris. Com os Estados Unidos, maior economia do mundo, saindo do acordo, o debate se torna ainda mais desafiador.
— Mas nós começamos a falar da hospedagem justamente porque ela virou uma questão política — disse o embaixador. — Ao ser levantada formalmente numa reunião por alguns países, a questão está interferindo no tempo em que nós deveríamos estar discutindo questões de substância. De fato, isso tem um impacto sobre a negociação.
O receio, dizem negociadores, é que o risco de um esvaziamento da COP provocado por questões técnicas atrase ainda mais o debate de itens importantes na agenda climática. Entre questões que estão pendentes para o início da COP30 se destaca o atraso na entrega das novas promessas de corte de emissão dos países, chamadas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs).
— Algumas semanas antes da COP30, vai ser publicado o relatório síntese da oNU sobre as NDCs, que vai mostrar quão distantes ou qão próximos nós estamos da ambição de Paris do 1,5°C — diz Correa do Lago.
Há necessidade também de resolver pendências sobre a questão de financiamento do combate à mudança climática, que ficaram em aberto na COP29 em Baku, no Azerbaijão. Os países em desenvolvimento afirmam que a meta de fluxo de recursos de países ricos para pobres não atingiu os US$ 100 bilhões por ano que haviam sido prometidos, e que o reajuste do valor foi insuficiente depois disso.
— Em Baku se decidiu que esses US$ 100 bilhões precisam passar para US$ 300 bilhões. — disse Corrêa do Lago — Agora eu e o presidente da COP29 vamos ter que apresentar também um mapa do caminho para chegar a US$ 1,3 trilhão, porque este é o valor que importantíssimos economistas dedicados a esse tema chegaram à conclusão que tem de ir dos países desenvolvidos para aqueles em desenvolvimento.
Toni e Corrêa do Lago afirmaram na entrevista coletiva que estão desenhando novas estruturas e criando novos cargos de coordenadores na presidência da COP30, para que possam acelerar o debate entre essas e outras questões. Segundo eles, apesar de a conferência acomodar debates sobre diversos temas ambientais e econômicos, muitos deles não são de alçada da UNFCCC, e é preciso colocar foco no cumprimento do Acordo de Paris, que é o tema central.
— O sucesso dessa negociação é aquilo pelo qual o sucesso da COP30 vai ser medido — afirmou o embaixador.